Boi de carro, boi de carro, boi veio, trabaiadô...
Boi de carro tu trabaia de só
nascê a só se pô.
Cumo é triste a tua vida, mas
cumo é grande o seu valor?
Boi de carro quantas vez, tu
cança numa subida?
Tu ajuéia nuns atoleiro? E
parando, já quais pra num andá.
Tu sente logo é o ferrão
marvado, da guiada do carreiro
A tua carne furaaaando sem tê
dó do teu pená.
Boi de carro tua sina é uma
sina diferente da sina de teu irmão?
Pois ele vive la pras campina
pastando todo contente, sem querer trabaiá não.
Mas boi de carro tu tem uma
grande satisfação !
Que de escuitá a canturia do
seu carro quando canta pelas boca do cocão.
P´ra que musica mais bonita mais
triste e mais dolorosa
que a música dum carro de boi
cantando pelas estradas do sertão?
Boi de carro meu amigo eu
também sou teu irmão.
Arrepare boi de carro como é
a nossa vida? quaise em tudo parecida?
Boi de carro eu também sinto
a furada do ferrão, bem puntudo e bem ferino
Da mão do meu carreiro, mas
meu carreiro é o destino.
É um carreiro sem coração que
me fura sem piedade,
com a guiada da pobreza e o
ferrão da necissidade.
Mas eu vivo satisfeito, o meu
carro também canta.
É um craúna perfeito que
nunca cancã a garganta.
Arreparasse boi de carro como
é a nossa vida?
Nossa sina como é?
Enquanto não chega a morte eu
oiço a cantiga do meu carro.
Pelas bocas dos meus fí e da
minha amada muié.
Pois meu patrão eu fui
carreiro.
Carriei por muitos anos pelas estradas do sertão.
Ainda hoje eu fico escutando
aquela musga sodooosa do carro
veio cantando pelas estrada do sertão.
Meu carro foi conhecido,
instimado e invejado. P´ra que dizê que não foi?
E antonsso aquelas juntas de
boi?
O Mimoso com o Pintadinho e o
Bargado com o Beij-flôr.
Eta! Aqueles era uns boiote
afamado que ganhei de presente do finado meu avô.
Sabe patrão? Aquês boi mi
cunhicia
Tudo quanto eu mandasse
fazê aquês boi fazia.
Tinha gente que dizia que eu
tinha parte com o cão.
Mas porém eu num tinha não.
Sabe o que era patrão? Era um
jeitim ispiciá
Que eu tinha pra tratá aquês
animá que me dava o ganha-pão.
Pois quando eu chegava do
mato arrastando as pesada moedeira.
Eu ia logo era catá um
carrapato, ia tratá duns arrainhão praquil não virá em bicheira
E os bichim que me conhecia
tudo isso agradecia.
É patrão? Eu num gosto nem de alembrar.
Daquilo que agente tem, que
instima e que quer bem.
Quando perde. Se alembrando! Dá
é vontade de chorar.
Pois Bargado morreu de véio.
Beija-flôr também morreu pro
via de uma mordida de uma cobra cascavel.
Mas o Mimoso e o Pintadinho.
Esses eu ofereci de presente pro fí do coroné.
Mais o carro patrão? Pra num
vê ele invejado
Por esses carros bunito da ta
da civilização.
Eu ofereci numa noite. Numa
noite bem brasileira.
Queimando numa fogueira em louvor
de São João.
Parte de Zé
da Ilha ( 1950 )
Adaptação de
Jorge Edim
Teófilo
Otoni – MG 12 setembro de 1977.
Categories:
Generalidades,
Poemas