Agruras de uma "pane seca" em Marabá - PA



Dentre as várias atividades que eu, Jorge Edim, exerci  em Marabá – PA nos idos de 1982, a  aviação agrícola foi a que me pregou o maior dos sustos. Eu fui contratado pelo mega pecuarista, Brás Bueno de Oliveira, para plantar sementes de capim, para pastagem, numa área recém derrubada de 800 hectares na “Fazenda Vai Quem Quer”, situada a 120 Km à leste de Marabá – PA.

Visitei a área, no cerne da mata amazônica ainda virgem, dirigindo uma pick-up Chevrolet, quando a única abertura naquela região era da mal cuidada estrada Transamazônica, da qual, depois de 90 km no sentido Araguaína-GO, embrenhei-me, à direita, por uma longa picada, com mais de 30 km, aberta com foices e moto-serras, que servia como estrada vicinal. Diante das dificuldades de acesso decidi que faria o plantio por via aérea, e para tanto, convidei um piloto, meu amigo de longas datas e parceiro de várias aventuras. Aquela viagem de reconhecimento da área, passou a ser a minha única e providencial referencia de orientação para localização da fazenda em relação a estrada Transamazônica e a cidade de Marabá.

Donos dos nossos destinos, com uma coragem irracional, no vigor dos 28 anos de idade e com uma vontade absurda de trabalhar para ganhar dinheiro, eu e o comandante, decidimos voar, a bordo do avião agrícola “Ipanema“, que só cabia o piloto. Faríamos uma vistoria aérea na fazenda a ser semeada, para reconhecimento das dificuldades impostas pela topografia e pela qualidade da derrubada, normalmente tais derrubadas deixam muitas árvores altas, o que representa um alto risco para a aviação agrícola que deve voar o mais baixo possível para evitar que o vento carregue as sementes, normalmente muito leves.

Decolamos do aeroporto de Marabá – PA, numa manhã de sábado,  com poucas preocupações; a primeira delas, era me espremer, de lado, entre o precário acento do piloto e a porta, com a cabeça para baixo, de forma que a torre de comando aéreo não percebesse a minha presença, no interior da aeronave.

A segunda preocupação era acertar o rumo da fazenda “Vai Quem Quer”, que eu só havia visitado por terra. O dia estava lindo, e a visibilidade era perfeita. E nós,  com os olhares fixos na imensidão verde, buscávamos a nossa derrubada. Entre uma gargalhada e outra, nós reprisávamos, sempre uma história de garimpo, aviação, ouro, jogo, cachaça, briga ou confusão de rapariga.

Pois bem, a busca pela dita fazenda demorou mais do que podia e nós não queríamos voltar por sabermos perto do objetivo. Depois de um tempo demasiado, encontramos a área derrubada sobre a qual fizemos alguns vôos em círculos e rumamos de volta a Marabá – PA.

Após poucos minutos voando de volta, nossas gargalhadas foram abafadas pela sirene de alerta de falta de gasolina no tanque esquerdo, o comandante me olhou, o rosto a 15 centímetros do meu, e disse com a calma dos grandes; não apavore, temos que aproveitar todas as nossas alternativas.

Eu, sentado de lado, enxergava a mata que estava à esquerda da pequena aeronave, e tinha que fazer um contorcionismo para ver os painéis do avião e um pedaço do céu azul que se mostrava na parte de cima do pára-brisa dianteiro. Porra! Morrer de avião com céu de brigadeiro é foda.

O piloto usou o resto do combustível do tanque esquerdo e assim que o motor começou a falhar, virou a chave para o tanque direito. Foram mais uns dez minutos de silencio profundo e de novo, a assustadora sirene de alerta de falta de gasolina no tanque direito. Era o fim. 

Tentei visualizar mentalmente o mapa pelas referencias que eu tinha da viagem terrestre. Intuí que estávamos à esquerda da estrada Transamazônica, rumo Leste – Oeste e pedi que o comandante aproasse o norte. Ele me atendeu e depois de alguns longos minutos de verde, medo e verdadeira apreensão, avistamos a estrada, para a qual o piloto procurou alinhar-se para o pouso, sabendo que quebraríamos o trem de pouso nos buracos da rodovia.

Definitivamente não era o nosso dia de morrer,  logo a frente, em paralelo à estrada Transamazônica, avistamos uma pista de pouso remanescente dos trabalhos do Exército Brasileiro no combate aos guerrilheiros comunistas na década de 1970. E foi onde o Comandante tocou o solo e cortou o motor para evitar que as hélices pegassem em alguns tocos que já cresciam na velha pista. Corremos poucos metros  e a sensação de alívio deu lugar a mais uma descarga de adrenalina; Por puro reflexo, o piloto deu um cavalo-de-pau com o avião, pois o fazendeiro local construíra uma cerca que dividia a pista ao meio. Na manobra radical, da minha posição incomoda, me senti centrifugado contra a porta, vi a asa esquerda do avião levantar até que a asa direita pegou no chão e voltamos a posição normal. Quebramos somente uma pequena parte da ponta da asa direita.

Ao descer do avião, esqueci completamente da posição incomoda que voei, e me senti como se estivesse no melhor e mais confortável aeroporto do mundo. Respirei fundo, agradeci a Deus, e peguei uma carona de carro para Marabá – PA, de onde eu trouxe gasolina e muito esparadrapo tamanho grande com o qual tapamos o buraco da ponta da asa e o piloto, decolou sozinho para Marabá – PA, onde fizemos o reparo definitivo da asa e então realizamos toda a semeadura da área da Fazenda Vai quem Quer.



Jorge Nei Jamel Edim

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VIAGEM INSÓLITA :

Dr. Júlio Laender, Edimar Cantão e Eu, Jorge Edim, voltávamos de Alta Floresta – MT com destino a Cuiabá - MT, a bordo de um Cesna-310 sob o comando do experiente capitão Tejima, que consciente do risco de voar sobre o exuberante manto verde da Amazônia, num dia tão chuvoso quanto aquele, mudou de rota e rumou para a Base aérea da Ilha do Bananal no rio Xingu-MT onde aterrissamos, antes do meio-dia, com muita dificuldade visual e sob uma tremenda tempestade. Vários outros aviões já se encontravam resguardados, naquela pista alternativa, alguns já, há mais de 24 horas, e seus comandantes nos interpelaram indagando sobre os motivos que nos fizeram desafiar tamanho mau tempo, por um voo longo sobre uma floresta tão perigosa. O comandante de um Queenair , aeronave canadense, toda equipada para enfrentar condições adversas em áreas perigosas, repreendeu o comandante Tejima e nos aconselhou a pernoitar na Ilha para esperar que o tempo melhorasse.
Não tive dúvidas. Acomodei-me no balcão do boteco dos índios, onde serviram cachaça e sardinha, que desceu como verdadeiro calmante depois de uma aventura tão estressante.
Dr. Júlio Laender, manifestou para o comandante Tejima, seu desejo de chegar em Belo Horizonte ainda naquele dia, dizendo: “Eu precisava chegar em BH ainda hoje”. O comandante, olhou para o céu cinzento e disse com ar de contrariado e corajoso; se é para decolar tem que ser agora.
Não tive tempo para tomar a segunda dose. Dr. Júlio e Edimar sentaram no banco traseiro e Eu embarquei, assumindo o assento de copiloto sob o protesto de todos os tripulantes dos demais aviões ali presentes.
Taxiamos como se brigássemos com a chuva torrencial. Corremos toda a pista e assim que saímos do solo, dois raios cortaram os lados direito e esquerdo da aeronave. Dr. Júlio disse: É comandante, se você vir que não dá, pode voltar. A resposta veio de imediato: “Agora num dá mais, é impossível enxergar a pista.”
Recebi do comandante a tarefa de segurar firme as duas manetes que teimavam em dançar de um lado para o outro. A formação de gelo era tão grande que dificultava a rotação das hélices. Se o comandante tentasse subir com a aeronave, encontrava a resistência do gelo das nuvens ( CB ) caso descesse, corria o risco de bater nas árvores mais altas, tudo isto às cegas, pois balançávamos de forma impressionante dentro de uma massa cinzenta capaz de nos levar ao limite do medo.
Em determinado momento o compartimento de bagagens quebrou e as malas caíram sobre nós aumentando o caus. Foi quando Edimar, segurando o cordão de ouro muito pesado, disse: “Eu devia ter deixado meu cordão e meu rolex para Juninho!”

Depois de quarenta e cinco minutos, sacudindo como se fossemos um cisco, no núcleo de um CB ( cúmulo-nimbo, nuvem escura com grandes formações de gelo ), recebemos um esculacho da torre de controle de Brasília-DF dizendo que estávamos voando perigosamente sobre a capital e em meio a um tráfico de aviões grandes que posavam por instrumento e que devido a visibilidade zero, poderiam colidir conosco. O comandante, já completamente esgotado, não deu ouvidos, e sabendo que sobrevoava a capital que não tem montanhas nem grandes arranha-céus iniciou um descida cega na tentativa de visualizar alguma coisa que o orientasse. Já que trabalhava em Brasília-DF há muitos anos. Deus guiou seu manche e ele pousou sob os protestos da torre de controle. Assim que taxiamos, percebendo o desgaste físico do comandante Tejima, corri para o balcão da VASP ( Viação Aérea São Paulo ) e comprei duas passagens do trecho Brasília-DF para Belo Horizonte-MG, em nome de Júlio Laender e Edimar Cantão. Voltei para o angar onde estavam o Cesna-310 e os parceiros de aventura, para os quais entreguei os bilhetes e me despedi dizendo: “bom voo para vocês que têm que chegar hoje em BH, eu irei de ônibus para Marabá. Graças a DEUS!”

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